quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Pirenópolis, mas pode me chamar de Piri

(clique nas fotos para vê-las em tamanho maior)



           Piri. Esse é o apelido carinhoso de Pirenópolis, cidade colonial goiana fundada no século XVIII. O apelido é usado apenas pelos íntimos, mas não há razão para se preocupar: basta caminhar um pouco pelo seu pequeno, belo e preservado centro histórico que você logo estará se sentindo em casa. O roteiro sugerido é de três dias, que são suficientes para conhecer as principais atrações da cidade.


1º dia: Batendo perna por Piri

Deixe o carro na pousada e saia a pé. Para começar a ter uma noção do charme da cidade, vale começar o passeio pela Igreja do Bonfim, encarapitada no final da Rua do Bonfim. Aberta apenas aos finais de semana, a pequena igreja concluída em 1754 te dá a rara oportunidade de subir ao altar principal e fazer parte da decoração. A partir dali, a pedida é descer a Rua da Aurora, arborizada e com casario colonial preservado. Dependendo do horário, vale a pena parar na Florinda Comidinhas e tomar um café enquanto lê um dos livros e revistas disponibilizados aos clientes em uma enorme mesa. A Rua da Aurora também é casa da cervejaria Santa Dica, que fica “hospedada” em uma singela construção que, não fosse a pequena placa na fachada, não daria nenhuma dica de que se trata de uma cervejaria. Se o local estiver fechado, como estava quando por lá passamos, não há motivo para histeria: a cerveja é facilmente encontrada nos estabelecimentos da cidade. Os três estilos oferecidos são deliciosos, testados e aprovados por estes que vos falam.

Fê igual político na Igreja do Bonfim


Chris fazendo parte do altar mor da Igreja do Bonfim


Fê e a arborizada Rua da Aurora


Chris gastando o francês na Florinda Comidinhas


Fê tenta ver se sobra umazinha na cervejaria Santa Dica


Os três estilos e as lindas garrafas da Santa Dica


As Cavalhadas

Provavelmente a essa altura você já terá esbarrado com uma das marcas de Piri: as representações dos mascarados, personagem típico das cavalhadas, celebração de origem portuguesa que acontece durante a Festa do Divino. Em Pirenópolis essa tradição é levada muito a sério, e as estátuas estão espalhadas por toda a cidade. Os mascarados saem pelas ruas da cidade durante os festejos (que acontecem 50 dias após a Páscoa), quase sempre representando um boi, fazendo algazarra e disfarçando a voz, pedindo cerveja ou dinheiro a quem estiver por perto. 

Sr Mascarado, desse aí o senhor não arranca cerveja nenhuma


Chris descobrindo Pirenópolis


Os mascarados de Piri dão instruções de como chegar

Chris e um mascarado patriota


Um bom lugar para se iniciar na tradição da Festa do Divino é o Museu do Divino, que fica na antiga Casa de Câmara e Cadeia. Para chegar até lá basta seguir pela Rua da Aurora, e atravessar a Praça do Coreto. No museu é possível entender o funcionamento da festa, assistir a vídeos e apreciar as roupas e adereços usados pelos participantes. As cavalhadas são o ápice dos festejos, e acontecem no Campo das Cavalhadas. Montados em cavalos, artistas representam a luta entre mouros (vermelhos) e cristãos (azuis) pelo domínio da Península Ibérica. Embora haja torcidas para ambas as cores, aqui o resultado é sempre o mesmo: os cristãos vencem e convertem os mouros ao cristianismo. 

Chris na entrada do Museu do Divino


Fê observa mais alguns chifrudos no Museu do Divino

Igreja, compras e paçoca de pilão

Saindo do Museu do Divino, será impossível não ver a vermelhaça Ponte do Carmo, cruzando o Rio das Almas com suas águas lamacentas. Não se intimide e faça a travessia. Do outro lado está a Igreja do Carmo, que guarda em seu interior um pequeno Museu de Arte Sacra. Não se espante ao notar que os altares laterais estão sem imagens de santos. É que eles vieram da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, que foi demolida, e ficava no local onde hoje está a Praça do Coreto. Essa mesma igreja ainda aparecerá mais à frente nesse relato, e de forma ainda mais importante.

A vermelhaça Ponte do Carmo


E depois da ponte vem a Igreja do Carmo


Colada à Igreja do Carmo está uma construção grande, com paredes de pedra. Em sua fachada estão os dizeres “Tecelagem. Aldeia da Paz. Casa das avós”. Não segure a curiosidade e adentre seus portões abertos, para descobrir uma espaçosa loja de artesanato, cujos lucros vão para o convento, creche e casa de idosos que ali funcionam. Não será necessário um grande esforço solidário para sair dali com algumas lembrancinhas a tiracolo.

Chris pronta a adentrar a Aldeia da Paz


Subindo pela Rua do Carmo, à direita da igreja, chega-se rapidamente ao Restaurante da Dona Cida, que ostenta orgulhoso em sua fachada o fato de sua cozinheira homônima ter ensinado a receita de paçoca de pilão no programa da Ana Maria Braga. Gostando-se ou não da apresentadora, é quase impossível não gostar da paçoca. Instale-se no belo jardim dos fundos e acompanhe a paçoca com uma porção de carne serenada, o equivalente goiano da carne de sol, e uma cerveja geladinha. Difícil vai ser ir embora.

Muito orgulho na fachada da Dona Cida


Chris e a paçoquinha que vale todo o orgulho


Uma igreja sem altar-mor e um altar-mor sem igreja

Depois do refestelo na Dona Cida, está na hora de conhecer a principal atração histórica de Piri: a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário. Antes mesmo de entrar na igreja vale observar a vista que a partir dela se descortina, já que a construção está num ponto elevado da cidade. É a primeira igreja do estado de Goiás, e sua fachada simples esconde uma história trágica que, como quase toda história trágica, também está repleta de beleza.

Chris e a bela vista que da igreja se descortina


Construída no século XVIII, durante a pujança econômica trazida pelo garimpo, a igreja foi ficando abandonada à medida que o ouro deixou de ser encontrado na região. Com o abandono veio a natural deterioração, estancada no final da década de 1990, quando a construção foi totalmente restaurada à sua forma original. Mas não durou muito. Em 2002, apenas três anos após o fim das obras,  um incêndio destruiu 90% da construção, restando apenas suas paredes. Eis que, novamente restaurada, mas sem altar-mor, a nova igreja matriz recebeu o altar-mor da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, guardado por 60 anos desde a demolição de sua casa original. A tragédia lhe deu um novo lar e, mais bonito ainda, um belo simbolismo, ao unir a igreja dos brancos e dos pretos em um mesmo lugar. 

Chris e a matriz


Chris e o altar mor que ficou sessenta anos esperando uma nova casa


Fê e um dos pedaços que não sucumbiram ao fogo


Aproveite o fim de tarde para bater perna nas proximidades da igreja matriz. Dá para conhecer o simpático prédio do Teatro de Pirenópolis, na rua lateral da igreja (que estava em obras de restauro quando fizemos nossa visita). Pegando a Rua Direita, que fica, pasmem, à direita da igreja, chama a atenção o prédio azul do Cine Pireneus - que serve apenas para tirar uma foto, já que não tem visita interna. Um pouco mais à frente na mesma rua está o Projeto Memorial das Cavalhadas, tocado pela simpática Dona Célia, cuja família participa ativamente das cavalhadas há décadas. A visita ocorre na casa da família, e segue por duas salas repletas de fotos, fantasias e adereços usados na festa. 


Fê mostrando sua satisfação com as obras no Teatro Pirenópolis

Fê e o Cine Pireneus, aquele que só serva pra foto
  
Fê imitando os mascarados no Projeto Memorial das Cavalhadas

2º dia: Sai pé-de-moleque, entra estrada de terra

Além de toda sua carga histórica e cultural, Pirenópolis também é famosa pelas suas atrações ao ar livre. São várias as cachoeiras da região. Para conhecer algumas delas, partindo do Bairro do Bonfim, pegue a Estrada dos Pirineus. Antes de chegar às cachoeiras, não deixe de dar uma parada no Mirante do Ventilador, de onde se tem uma vista acachapante de Pirenópolis. 

Mirante do Ventilador, com Piri lá embaixo (os periquitos são brinde)


Reservas ecológicas

Após 6km na mesma estrada, pegue a saída para a Reserva Cachoeira do Abade. Após mais 4km de terra você chegará à portaria, onde poderá escolher entre uma trilha curta de 400 metros que leva direto à Cachoeira do Abade, passando pela Cachoeira do Cânion, ou outra mais longa, de 2,5km, que passa por cenários diversos do cerrado e culmina nas mesmas cachoeiras. Ambas custam o mesmo preço (R$ 30 por pessoa), portanto, a não ser que você realmente não goste de andar, vale optar pela trilha mais longa, que passa por belas paisagens e uma ponte pênsil apelidada de “ponte da tremedeira”. 


Chris feliz, saudando a natureza

Chris ajudando a paisagem da Cachoeira do Sossego

Chris na trilha em meio à mata - mas sem perrengue

Chris e um perrenguinho, vai, pra passar a Ponte da Tremedeira


Fê num momento complicado, perto da Cachoeira do Cânion


O casal no ponto final do passeio: a Cachoeira do Abade


Voltando pela mesma estrada de terra, pegue a saída para a Reserva Ecológica Vargem Grande (R$ 35 por pessoa), lar das belíssimas cachoeiras de Santa Maria e Lázaro. A primeira é alcançada por trilha de apenas 190 metros, e já valeria a viagem, com sua prainha de areia fina em frente à pequena queda d´água. A estrutura é tão boa que tem até salva-vidas, já que o poço é fundo e o banho proibido no local onde a água cai. Outra trilha, de apenas 1,3km, leva até a Cachoeira do Lázaro, um espetáculo de águas caindo irregulares por grandes pedras, formando belos desenhos. A melhor parte: é possível ir caminhando até as quedas, já que aqui as águas são rasinhas. 

Chris decidindo para onde vamos...pras duas!


Chris no pequeno paraíso da Cachoeira de Santa Maria


Chris na trilha calçada à prova de sedentários


Chris e a esfuziante Cachoeira do Lázaro


Fê mostrando que dá pra chegar pertinho da Cachoeira do Lázaro


 Vale um aparte importante sobre as reservas: fizemos todos os passeios de chinelo. Isso dá uma dimensão de como a aventura é tranquila e indicada para todas as idades. Todas as trilhas são calçadas em quase toda sua extensão, dando pouca margem à acidentes. Melzinho na chupeta.  


Motos, bicicletas e otras cositas

No retorno à cidade, passando pelo Bairro do Bonfim, não deixe de dar uma parada no Museu Rodas do Tempo . Dedicado à história dos veículos de duas rodas, o museu é um brinco, muito organizado, e em seus cinco galpões temáticos expõe dezenas de veículos e curiosidades até mesmo para quem não liga a mínima para motos e afins. Mas até comentei com a Chris que o momento de viajar é aquele em que nos interessamos até mesmo por assuntos pelos quais não nos interessamos normalmente. É uma das belezas de viajar.

A entrada para as Rodas do Tempo


Chris admira as bicicletas bem normais


Fê e uma bicicleta alemã da segunda guerra

De volta à cidade, e após um merecido descanso, vale passar a noite em um dos muitos restaurantes e bares da Rua do Lazer, um trecho da Rua do Rosário que fica fechado para carros e fica preenchido por coisas muito mais interessantes: mesas, cadeiras e gente. Uma boa pedida por ali é o Restaurante e Cachaçaria Dill que, como o nome indica, tem, além do cardápio tradicional, degustação de dezenas de cachaças do Brasil inteiro. Também é um excelente lugar para provar as cervejas da já citada cervejaria Santa Dica. Vale lembrar que a rua também funciona no horário de almoço, e pode ser um bom refresco para o calor do centro-oeste. À meia-luz ou com sol a pino, trata-se de um dos lugares mais charmosos da cidade.

Chris na Rua do Lazer, com sol a pino


O casal à meia-luz, com algumas cachaças



3º dia: Entre a fazenda histórica e o santuário ecológico


É bom programar este dia para um sábado ou domingo, quando a primeira atração, a Fazenda Babilônia, funciona regularmente (durante a semana é necessário agendar a visita).  Para chegar até lá é preciso pegar a estrada GO-431, e rodar por cerca de 24 km. Uma vez na sede, há duas opções de visita: simples (R$ 22 por pessoa) e com café sertanejo (R$ 78 por pessoa). Caso opte pela segunda opção, não tome o café no seu hotel, já que se trata de um verdadeiro banquete com dezenas de pratos goianos. 

 
Chris na entrada da Fazenda Babilônia

A visita guiada passa pelos vários cômodos da construção, que já está bem modificada em relação à sua forma original do princípio do século XIX, quando funcionou como engenho de açúcar. Não é daquelas visitas “decorebas”, em que o guia parece estar lendo tudo que fala. Parece mais um bate papo informal, em que a guia Daniela dá margem para que os turistas façam perguntas e tirem suas dúvidas. Muito agradável. Mais agradável ainda é ter a sorte de encontrar a dona da fazenda, Dona Telma, mulher de conversa fácil e que demonstra genuíno prazer na milenar arte de bater papo. Durante nossa conversa ela disse que fez curso no SEBRAE para tratar com turistas, onde lhe aconselharam a ser mais formal - conselho que ela sabiamente ignorou.

A guia Daniela explica umas coisinhas pra Chris


E o Fê troca ideia com a Guia Daniela dentro da capelinha da fazenda



Chris e o belo boi galhudo, ou galheiro, sei lá



Chris e Dona Telma, com sua deliciosa informalidade

 Uma pausa à beira-rio


 De volta à cidade - e caso você não tenha participado do café sertanejo - uma boa pedida para o almoço é o Montserrat. Pertinho do centro da cidade e à beira do Rio das Almas, o restaurante do chef catalão Juan Pratginestós aposta, como ele mesmo diz, em uma “cozinha medieval com sabor goiano”. Para mais detalhes do restaurante, leia nosso texto sobre a experiência em nosso outro blog, aqui.

Chris na entrada do Montserrat


O casal pronto para um deguste no Montserrat


Um santuário cheio de delícias

Depois do almoço, hora de pegar a estradinha de terra que leva ao Santuário de Vida Silvestre Vagafogo, acessada a partir do Bairro do Carmo. Se der sorte você será atendido pelo simpático, e falante, Uirá, um dos donos da propriedade. Ele vai te contar sobre sua família, que é dona da propriedade há décadas, e explora o turismo há 22 anos. Ele também te explicará sobre a trilha circular de 1,5 km, que margeia o Rio Vagafogo e passa por pequenas cachoeiras, piscinas naturais e árvores centenárias. E, mais importante de tudo, te proporcionará uma degustação com as dezenas de delícias produzidas ali mesmo na fazenda, como geleias, chutneys, pestos e muito mais. Vai ser difícil ir embora sem levar nada. 


Chris em um trecho da trilha fácil

Chris em pose de revista em uma pequena queda d´água


O casal e a figueira tiazona, de mais de trezentos anos

 No local também é possível participar do brunch ou fazer o Circuito de Aventuras (com rapel, tirolesa, arvorismo, etc). Para ambos os casos é importante ligar antes para saber da disponibilidade. 

Embora esse roteiro tenha chegado ao final, ele não esgota as possibilidades que Pirenópolis oferece aos seus visitantes. Com uma junção irresistível de natureza exuberante e história preservada, a cidade é uma gema dourada a ser descoberta. E a boa notícia é que não é preciso experiência em mineração para aproveitar tudo que a cidade tem para oferecer. 

Apenas uma das delícias de Piri